Galiza Hardcore: ouveos nom tam longíquos

Setembro 29, 2016

Ter quarenta e três é contraditório mesmo. Ainda conservas a ressaca daquele último concerto na Okupa da Ria, na Casa Encantada, no Usos Múltiples do Burgo. Ainda ecoam os últimos redobres de bateria e os últimos berros. Aquela noite de hardcore, numha primavera dos anos noventa. Quiçá foi a última, difuso fotograma de umha constante nítida.

Acabo de ver um documentário sobre o hardcore nos Estados Unidos, e empeliu-me a escrever isto, este artigo que lhe prometera ao amigo Pepe Cunha. Umha reflexiom quase no final da fita: “Nos anos oitenta nos Estados Unidos nom havia esquerda organizada, estávamos nós, um movimento comunalista que protestava contra o sistema”. Falavam as diferentes vozes de como se organizavam as tournés, como se deslocavam, onde se alojavam…a solidariedade entre as bandas era o que funcionava, nom havia cachés milionários nem grandes méios, as bandas emprestavam-se os instrumentos e davam teito umhas a outras quando alguém tocava fora da sua cidade.

Com anos de diferença, eu vivim o mesmo, asseguro-vo-lo. Eram os noventa, e esse espírito existia. O que escuitei nesse documentário foi um relato cheio de situaçons e razonamentos que me eram familiares.

Estava eu em 2º ou 3º de BUP quando chegou às minhas maos umha fita pirateada com umha maqueta duns tais Fame Neghra. Faziam umha cousa como dacavalo entre punk e metal, depois comecei a escuitar o termo hardcore…sonava sujo, contundente e acelerado. Genial. Títulos e letras como “Merenda para vermes”, “Deterxente relixión”, “Progreso é morte”…mensagens anti-imperialistas, anti-clericais, anti-militaristas debulhavam-se naquela fita de son infernal, gravada tam deficientemente, mas na que luitava por sair do cromo da cassette umha música que me mudaria os esquemas por bastante tempo.

O hardcore. Primo-irmao do punk e do metal. E diametralmente oposto. O heavy metal sempre procura o virtuosismo e a espetaculariedade. O punk é destrutivo e auto-destrutivo. Nihilista. O hardcore é sujo e selvagem, cru e direto, no estilístico. E no ideológico, trata de constroir um discurso novo. Havia umha relaçom de amor/ódio edípico. Os “hardcoretas” adoravam de bandas como Anthrax, Slayer, Metallica, Exploited ou Dead Kennedys…mas eram outra cousa e sempre estavam na teima de marcar a diferença.

Lembro maquetas como “Agrikolae”, de MOL; “Turista occidental”, de Dirty Barriguitas; “Morro de noxo”, de Mala Oxtia ou “A alienaçom do poder”, de Eutanásia Activa…o magnífico split EP partilhado entre Dirty Barriguitas e Fame Neghra, o “Benvidos a Famelandia” de Fame Neghra ou o “Eu non quero vivir competindo” de MOL. Curiosamente, havia umha cena prolífica que nom parava de crescer e transformar-se. Tomo como referência a Okupa da Ria (sim, Oleiros foi um ponto neurálgico desse movimento) e saim de maneira desordenada nomes de vigência efémera, ou mais prolongada…Fuckin” Family, Frustradicción, Meninh@s da Rua, Arde Siberia, Xentalla, SOK, Meigallo, Néboa, Nen@s da Revolta, Cambio de Ideas, Subversión, Machetazo, The Jas, La Bergüenza, etc. Pessoal desta comarca da Corunha ou de fora, que tinha o cenário da Okupa da Ria incluído nos seus roteiros.

Nom seria capaz de fazer umha crítica musical. Quero fogir dessa tentaçom. Prefiro fazer umha radiografia social. Quem eram, ou éramos, se se me permite o atrevimento de me incluir nesse plural humano. Os anos noventa recordo-os como anos de luita anti-militarista. Amigos que fixerom a PSS, amigos que se fixerom insubmissos…manifestaçons contra a mili, contra a primeira Guerra do Golfo. O despertar do movimento Okupa, entendendo isto como movimento sócio-político, de libertaçom de espaços para usos culturais, sociais, etc, na Galiza. Gente operária, que morava no Burgo, que morava em Nós, que morava no Temple, ou na Agra do Orçám, Os Castros…muito estudante, muito desempregado, muito precário. E aparecia o hardcore como umha via de escape, de esperança, de superaçom. Capeávamos o temporal fazendo ruído contra o sistema, movendo-nos dentro e fora do país, botando mao da solidariedade e da irmandade.

Nom importava que Fame Neghra fossem de Compostela, Meigallo de Ponte Vedra, Eutanásia Activa de Ferrol ou Nen@s da Revolta de Vigo. As rivalidades desportivas ou de outra índole entre cidades pertenciam a essa realidade que rejeitávamos. Era outra dimensom.

Naqueles anos nos que os sobreviventes da vaga hardcore nos Estados Unidos se fixerom comerciais e começávamos a descobrir a Agnostic Front, Gorilla Biscuits ou Bad Religion, muitos ex-heavies e ex-punkies descobrirom no hardcore o que procuravam…e a juventude daqueles anos começou a bailar um imenso pogo. Como todas as festas, tenhem um começo e um final difuso. Acho que conservo ainda pola casa algum catálogo de Trevoada ou de Lixo Urbano. Restos da batalha. Como costumo dizer, o que mais admira disto tudo, é que acontecera sem existir a internet.

Ramiro Vidal Alvarinho
set”16

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